Por dentro do Journal da Galpin Society - 2022
08.jun 2022

Por Daniel dos Santos*

 

A Galpin Society é uma sociedade acadêmica britânica (porém, com membros internacionais) voltada aos estudos em instrumentos musicais, foi criada em 1946 e carrega o nome em homenagem ao clérigo britânico Francis W. Galpin (1858-1945); um importante pesquisador e construtor de instrumentos musicais.

Todos os anos a GS[1] publica, em março, uma nova edição de sua revista ou, no inglês, “journal”. Infelizmente, a edição na íntegra é exclusiva para membros, porém a instituição disponibiliza os resumos dos artigos publicados gratuitamente. Neste texto, portanto, vamos dar uma olhada nesses resumos e entender um pouco sobre suas temáticas e objetos de pesquisa.

São 11 artigos[2] de autoria individual.

 

O primeiro deles foi escrito pelo luthier norte-americano Brian Applegate formado em Musical Instruments Technology pela Universidade de Edinburgo e também proprietário da marca Applegate Guitars.  Vamos dar uma olhada e ouvir um modelo de violão feito por ele (canal: Cedar Rock Studio Guitar Gallery. Publicado em 16 de out. de 2021. Modelo do instrumento – Applegate SJ 2019):

 

 

O título de seu artigo é “Quantificando a importância da propriedade física de espécies tradicionais e alternativas de madeiras para pontes de violão/guitarra”. Sua pesquisa gira em torno de discussões a respeito de madeiras historicamente usadas em pontes de guitarra e violão estarem em risco de extinção e, a partir de reflexões em torno de propriedades físicas esperadas para a seleção da madeira, sugerir espécies alternativas para esse mesmo uso.

 

O próximo texto é da compositora e pesquisadora Núria Bonet, Phd em Sonificação pela Universidade de Plymouth. Em seu site, mostra exemplos de seus trabalhos na área. Um deles é o interessantíssimo projeto de sonificação da matéria escura no universo[3]. Aprecie o vídeo Sonification of Dark Matter from Núria Bonet.:

No artigo apresentado nessa edição de GS, “Shawms Mecanizadas: O Caso da Suona Chinesa”, a compositora Nuria, se debruça sobre as problemáticas da ocidentalização e os modos de construção modernos de vários instrumentos da família de um aerofone tradicional chinês chamado Suona. Conheça um pouco mais (Canal: CGTN. Publicado em 25 de dez. de 2020):

 

O próximo artigo é de Stewart Carter professor de teoria e história da música no departamento de música da Universidade de Wake Forest. Nessa mesma universidade, dirige o grupo instrumental do Collegium Musicum da universidade e um grupo de música medieval. Seus interesses tem a ver com instrumentos de sopro da família dos metais em contextos do século XVII. Em seu artigo submetido à GS, “O Abeng de Sopro Lateral: Símbolo de Resistência e Poder dos Maroons na Jamaica”, Stewart traz o percurso histórico de um aerofone da etnia Maroon jamaicana, o abeng, durante os séculos XVII e XVIII usado como forma de comunicação entre ex-escravizados da comunidade e resistência contra a colonização inglesa.

Conheça os Maroons (Canal: Vagabrothers. Publicado em 26 de mar. de 2017):

Ouça o abeng (Canal: Kennedy Reid. Publicado em 15 de jan. de 2013):

 

No artigo “A História Social do Trompete de Vidro em Maiorca de Amadeu Corbera, professor do Conservatório Superior de Música das Ilhas Balears expõe uma coleção de instrumentos musicais das Ilhas Baleares enviada à Victor-Charles Mahillon pelo folclorista maiorquino Antoni Noguera I Balaguer em 1896. Nessa coleção havia 3 trompetes de vidro. Assim, Corbera propõe-se a investigar a história social desse instrumento em Maiorca.

Ouça um trompete de vidro[4] (Canal: Madhotglass. Publicado em 28 de mai. de 2020):

 

Henry Johnson, professor e pesquisador no departamento de música da Universidade de Otago com interesses de pesquisa na música diaspórica asiática, no artigo intitulado “Chee Kung Tong e o Som Diaspórico na Nova Zelândia: A Coleção de Instrumentos Musicais da Sociedade Maçônica Chinesa de Wellington”, analisa, discute e descreve a coleção de instrumentos musicais de tradição chinesa diaspórica da Chee Kung Tong em Wellington na Nova Zelândia. Johnson também fala da importância de se estudar a coleção em questão (em salvaguarda pela Biblioteca Nacional Neozelandesa) para o entendimento da Organologia chinesa.

Orquestra da Chee Kung Tong em Wellington -NZ Fonte: Biblioteca Nacional Neozelandesa

Orquestra da Chee Kung Tong em Wellington -NZ [5]
Fonte: Biblioteca Nacional Neozelandesa

 

 “O Xilofone Gamolan Ancestral e Sua Recente Transformação na Província de Lampung, Sumátra na Indonésia: 1980s – 2000s” é o próximo artigo escrito pela professora emérita de Musicologia e Etnomusicologia – e pesquisadora interessada em música e instrumentos musicais asiáticos – da Universidade de Monash na Austrália, Margeret Kartomi. No texto, a autora discute as transformações politicamente orientadas de um xilofone indonésio chamado Gamolan[6] como forma de exaltação – pretensiosa – da cultura indígena da Província de Lampung na Sumátra entre as décadas de 1980 e 2000. Sendo uma dessas transformações, por exemplo, a de configurar o instrumento de forma diatônica. Traça e documenta o percurso dessas transformações partindo do final da década de 1990 em diante.

Ouça o Gamolan (Canal: Mamak LiL Rajo Gamolan. Data de publicação não informada):

 

Douglas Macmillan, médico aposentado, organólogo independente e flautista[7] inglês, escreve “Francis William Galpin e a Flauta Doce”. Seu texto apresenta uma pequena biografia do pastor e organólogo inglês Francis W. Galpin e, em seguida, discorre sobre sua coleção de, pelo menos, 17 flautas doce; algumas delas réplicas de estilos renascentistas construídas pelo próprio Galpin. Essa coleção, segundo o autor, tem aparecido em diversos periódicos, exibições e textos musicais desde finais do século XIX até os dias atuais. Além disso, conta que o clérigo foi flautista e o primeiro na Inglaterra a formar um quarteto de flautas doce feitas por ele mesmo; antes até dos esforços de revivalismo da música antiga despendidos por Arnold Dolmetsch (multi-instrumentista, pesquisador, professor e construtor de instrumentos, um dos precursores do movimento de revivalismo da música antiga).

Saiba um pouco mais sobre a flauta doce (Canal: Aprenda Música. Data de publicação não informada):

 

Arnold Myers, professor emérito da Universidade de Edinburgo e presidente da GS, escreve “A Coleção Permanente da Galpin Society”. Segundo o autor, em 1967, a GS começou a empreitada de instituir uma coleção nacional de instrumentos musicais históricos em Edinburgo. Essa ideia foi proposta por Graham Melville-Mason, um dos membros da GS quem acabou sendo apontado como curador honorário da coleção. Desde então, houveram alguns problemas de comunicação entre a Universidade de Endiburgo e a GS, os quais não possibilitaram o levantamento de recurso para a manutenção da coleção. Arnold, nesse texto, conta também que um significante acervo de instrumentos musicais históricos, em 1980, foi doado à Universidade, atualmente alocado na St. Cecilia’s Hall. Além disso, o artigo pretende investigar e entender as movimentações da GS em se tratando da constituição de um acervo de pesquisa e a disposição de instrumentos musicais históricos que havia em meados dos anos 1960 na Inglaterra.

Conheça o St. Cecilia’s Hall Museum:

https://www.stcecilias.ed.ac.uk/

Acesse o canal no Youtube:

https://www.youtube.com/c/StCeciliasHall

 

Stewart Pollens, pesquisador e especialista em restauração de instrumentos musicais antigos, no artigo intitulado “Dendrocronologia e Violinos: Alguns Apontamentos”, explica o que é dendrocronologia; analisa a forma como historiadores, museus, construtores de violino, tem usado a técnica e; aponta as problemáticas de em torno do uso desse método em datação de violinos.

Aqui, um pequeno documentário sobre o assunto (canal: Peter Ratcliff. Data de publicação não informada):

 

No artigo, “George Bernard Shaw e a Música Antiga”, Stewart, discute o envolvimento do famoso dramaturgo, humorista, professor e crítico irlandês George Bernard Shaw com o movimento “Early Music Revival” e sua simpatia e empenho na divulgação do conceito de “performance historicamente informada”.

Conheça a história de Bernard Shaw

 

O compositor e pesquisador inglês Edward Wright[8], “William e Adam Leversidge, Construtores de Virginais: Uma atualização dos arquivos”, conta a nova descoberta de fontes primárias genealógicas e registros relacionados à William e Adam Leversidge. Sendo o último construtor dos dois exemplares de virginais restantes com a marca da família. Essas novas fontes poderiam provar que William também construiu virginais e sua relação com seus 4 filhos.

Ouça um pouco de um virginal:

 

fazendo um balanço estatístico dos artigos, é possível dizer que:

Entre os autores:

 

Genero dos autores

 

 

Portanto, agora temos um bom panorama da última publicação do Journal da Galpin Society.

Espero que tenham se divertido ao ler este texto – o tanto quanto eu me diverti escrevendo!

Até a próxima!

Daniel A. dos Santos

 

*Daniel dos Santos é músico multi-instrumentista com enfoque em instrumentos musicais cordófonos; bacharel em Música – Ciências Musicais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); e etnomusicólogo independente com seus interesses de pesquisa em torno dos contextos socioculturais nos quais se desenvolvem a música tradicional caiçara (lavrador-pescador do litoral Sul-Sudeste).

 

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NOTAS

[1] Sigla referente à Galpin Society usada daqui em diante

[2] Todos os títulos a seguir serão escritos em tradução livre

[3] Acesse o site da Núria Bonet, clicando em seu nome no texto, para entender um pouco mais sobre esse e outros projetos e suas metodologias.

[4] O instrumento do vídeo foi feito pela própria autora e não tem relação direta com os trompetes de vidro da coleção de Antoni Noguera I Balaguer

[5] Alguns instrumentos musicais presentes na fotografia, você pode encontrar aqui no nosso acervo do MVIM

[6] Versão menor, com placas de madeira e configuração ocidentalizada (temperamento igual e registro diatônico) dos metalofones usados em performance de gamelão.

[7] Conheça sua coleção de flautas doces: https://www.macmillanrecorders.com/_files/ugd/b5715a_f3f857e99a0c4a3da37f8cbdd023246e.pdf

[8] Ouça suas composições no Spotify: https://open.spotify.com/artist/2oJ5agkh4CeGpHRwDgPx3c